Sangye’s Kitchen - Aulas de Culinária Tibetana Tradicional
- Admin
- 24 de nov. de 2007
- 8 min de leitura
Atualizado: 11 de fev. de 2023

A cozinha de Sangye é muito conhecida em Mcllo. Há cartazes em toda a cidade e no site do Dalai Lama também há a indicação para o curso de momos na Sangye’s Kitchen.
Na primeira vez em que fomos para Dharamshala, em 2007, soubemos do curso de momos através de cartazes pregados paredes e postes. Resolvemos fazer o curso porque comemos momos em muitos restaurantes e adoramos.
Em 2012, fomos decididas a fazer outro curso, o de pão, e foi quando descobrimos que o verdadeiro Sangye não tinha nos ministrado o curso de Momos, e sim um amigo seu.
O Sangye é um cara muito bacana, super simpático e talentoso. Ganha a vida ensinando turistas a cozinharem pães tibetanos, os famosos momos e sopas. Na terceira vez que fomos para Dharamsala, queríamos fazer o curso de sopas, mas eu estava doente e apesar disso chegamos a ir na casa dele e não atenderam e nem atenderam o telefone. Acho que não estava tendo nada...

A cozinha de Sangye Tashi fica na Jogiwara Road, que recentemente mudou de nome para Potala Road e fica paralela a Temple Road. Estas são as duas mais importantes ruas da vila.
Uma coisa bem interessante e bacana é que o Sangye nunca está na sua cozinha a não ser nas horas das aulas e ele não atende ninguém se estiver em aula. Isso é bom. Para conseguir marcar a aula, há um bloco e uma caneta ou lápis, na porta da casa onde pode-se ver os horários e dias de aulas, então você escolhe o que quer aprender a fazer, marca no bloco e chega na hora estipulada para aprender alguns pratos da culinária tibetana.

Fizemos o curso de momos em 2007, com um rapaz que não era o Sangye, como já expliquei. Naquele dia, os outros alunos eram uma suíça e um argentino que teimava em não dizer uma palavra sequer em espanhol ou em português. Ele era muito chato e se achava superior só porque morava nos EUA. Era muito egóico e atrapalhava a aula o tempo todo falando de si. A sorte é que nosso mestre não deu bola e ainda chamou a atenção dele quando ele começava a extrapolar o ego.
Aprendemos a fazer a massa de momos e a abrir a massa com os rolinhos fininhos de madeira. Depois vieram os recheios que costumávamos comer na rua, ou seja batata com queijo fundido, espinafre com queijo, além do mais famoso momo da cozinha do Sangye: momos de chocolate.
Os momos são uma comida típica tibetana, muito parecidos com o guiosa que conhecemos no Brasil através dos japoneses. Os tibetanos os servem fritos ou cozidos no vapor, além da deliciosa sopa de momos. Só de pensar dá água na boca.
Em Mcllo pode-se comer momos na rua sem o menor problema, eles são deliciosos e bem baratos. Um dos mais famosos é o da esquina em frente ao Norling Restaurant, na rua principal, perto da loja dos Students for Free Tibet.
A massa é simples, farinha, fermento e água, mas abrir a massa no formato certo e perfeito foi muito difícil. O professor tinha uma prática admirável e era muito exigente. Eu não consegui fazer muito bem, minha irmã foi um pouco pior. Rimos muito, mas os momos foram abertos, por todos os alunos, receberam os recheios e na hora de fechar, mais problemas.
Fechar os momos, cada um com um desenho especifico, é muito difícil, a dobrinha tem que ter uma simetria lógica e cada recheio de momo tem seu desenho de acabamento, ou fechamento, especifico. Me recordo que fizemos apenas 4 momos de chocolate, porque o professor tinha pouco chocolate disponível. Depois de pronto foi a hora de saborear os momos de espinafre, batatas e chocolate. Comemos e levamos para "casa".

No ano de 2012, ao voltarmos para Dharamshala decididas a fazer outro curso com Sangye. Logo que chegamos na cidade fomos até a Sangye’s Kitchen e anotamos no bloquinho na porta o curso desejado. Alguns dias depois, no dia 26 de março, fomos para a cozinha do Sangye. Foi quando percebemos sobre dois possíveis Sangyes e este nos disse que ele era o verdadeiro, mas o outro era amigo dele que o ajudava sempre que era necessário.
Sangye era uma pessoa muito simples em sua cozinha bem singela, com apenas um fogão a gás, alguns potes e panelas, uma prateleira cheia de ingredientes e muito talento culinário. Na parede algumas imagens e um pôster que poderia ser o logo dele, pois tinha seu nome e um urso panda, símbolo do Tibet. Os pandas são tibetanos e não chineses, como o mundo ocidental pensa. Também havia um quadro do Dalai Lama, desenhos coloridos do Lung ta ou Cavalo de Vento, que normalmente estão nas bandeiras tibetanas de orações com as preces impressas, algumas fotos de aulas e um pôster do mapa do Tibet.

O Sangye, com um brilhante sorriso, nos recebeu. Em seguida um casal japonês, que também iria fazer o curso de pães tibetanos, chegou. Em cerca de duas horas aprenderíamos a fazer alguns pães: brown bread, tingmo cozido no vapor, bhalek e kaptse, que são biscoitos tibetanos fritos feitos em ocasiões especiais. Ele nos mostrou alguns em sua estante, que foram oferecidos a Buda, no ano novo que havia sido comemorado alguns dias antes.
Além das lições culinárias tivemos uma pequena lição de vida, quando ele começou a nos contar como chegou até a Índia e como era sua vida desse então. Tudo começou porque minha irmã perguntou se ele era nascido na Índia ou se era refugiado.
Em 2012, ele tinha 43 anos, que não aparentava, e enquanto misturava o yeast (fermento) à farinha, para a primeira mistura, começou a contar um pouco de sua historia. Disse que foi para a Índia em 1997, com alguns companheiros tibetanos, caminhando pelo Himalaia e deixando toda a sua família para trás. Demorou 28 dias para alcançar solo indiano e quando ele chegou estava morrendo de fome e com problemas físicos por causa de congelamento. Sobreviveu a travessia, mas nem todos que saíram com ele tiveram a mesma sorte. Contou que teve que carregar alguém, talvez um menino, nos ombros.
Fugiu para a Índia porque não via futuro no Tibet invadido e queria estudar e conhecer o Dalai Lama. Conseguiu alcançar seus objetivos: estudara e conhecera o Dalai Lama pessoalmente.
Continuou misturando a massa, nos ensinou o ponto e pediu para trabalharmos um pouco a massa. Era o Kaptse, o biscoito do ano novo. Ele brincou comigo dizendo que eu levava jeito para sovar a massa. Os quatro alunos se revezavam na sova e depois para abrir. Em seguida nos ensinou a enrolar no formato de uma trança, muito fácil e interessante. Corta uma tira, faz um corte no meio e vira, vira e vira até terminar a massa. A pessoa que fez a melhor foi a minha irmã, ela pegou bem o jeito. Tem fotos acima.
O segundo pão foi Tingmo, era no vapor. Ele preparou a massa, nos fez mexer um pouco na mesma, fez o recheio com cebola, sal, cúrcuma e pimenta, enrolou como um momo gigante, mas depois aquilo virou um rocambole que ele fatiou e levou para a panela de cozinhar no vapor.

Depois foi a vez do Bhalek e Sangye nos contou que sua mãe fazia o bhalek para ele levar na escola. Todos os dias ela fazia um recheio diferente e esse era o almoço dele e de seus irmãos que sempre apostavam qual seria o recheio do dia e ansiavam por este momento. Disse que sempre se emocionava quando se lembrava da família e nos disse que desde a fuga do Tibet nunca mais pode vê-los, mas que luta para o Tibet ficar livre do domínio Chinês era sua meta também e estar em Dharamshala permitia que ele participe dessa luta.
Uma luta real, que você sente muito latente quando está lá. Eles são ativistas ferrenhos e nós até acabamos participando disso. Mas essa é outra história.
O recheio do Bhalek levava cebola, sal, cúrcuma e pimenta, era idêntico ao anterior, com um pouco menos de pimenta. Ele recheou, deixou no formato de um disco e assou numa panela funda na boca do fogão. Sim, assou um pão fora do forno e deu certo. Ele untou a panela levemente, colocou o pão e cobriu com uma tampa ou placa de alumínio, podia até ser um fundo de forma. Era um disco de metal que encaixava bem na panela.
O fato é que o Sangye não tinha forno na sua cozinha. O fogão dele é do tipo daqueles fogões portáteis de duas bocas, mas é um pouco mais robusto que os portáteis. Nas fotos abaixo estão todas as etapas, ou quase todas, do feitio do Bhalek.

Na foto ao lado, o fogão com o Bhalek na panela menor e o o tingmo na outra boca. E então fomos fazer o quarto pão, o brown bread.
Também ajudamos a fazer a massa, a sovar e assim que foi para a panela, começamos a comer os outros que estavam prontos. Os pães recheados com cúrcuma e cebola estavam deliciosos,
Quando começamos a comer, um carro de som passou na rua e o Sangye se ateve. Não entendemos nada porque falava em tibetano e perguntamos porque tanto alarde. Sangye nos contou que um menino de 27 anos, Janphel Yeshi, ateara fogo em si mesmo em Nova Déli, durante protestos contra a visita do presidente da China, Hu Jintao, à Índia naquela data. Era um exilado, estudante e amigo dos garotos do Mandala Café, aonde íamos todos os dias tomar nosso cappuccino e usar o wifi deles.
Sangye ficou triste, disse que isso não era certo, não levava a nada. O rapaz foi o primeiro tibetano não monge que se auto imolar, foi também o primeiro a fazer isso fora do Tibete e o primeiro a atear fogo em si mesmo no território indiano. Esse acontecimento foi muito emblemático para os tibetanos de Mclleod Ganj e para todos os que viviam na Índia.
Sangye nos contou que no carro falavam que haveria uma manifestação e que iria começar logo mais.
Lamentamos muito e começamos a conversar sobre politica, sobre a China, a ineficiência da ONU, o silencio do resto do mundo. Cometamos que eles eram tão ativos ali na India, mas que o mundo parecia não se importar com nada. Começamos a falar mal dos chineses e Sangye disse que os chineses não tinham culpa de nada e sim o GOVERNO CHINES, ouvimos algo parecido no dia seguinte, de outro tibetano, no Mandala Café, "os chineses são bons e governo é mal".
Os Tibetanos que vivem no Tibet invadido pela China, não têm permissão de ir e vir, não podem ter a foto do Dalai Lama em casa, não podem seguir suas tradições ou mesmo falar a língua.
Sangye se disse agradecido ao governo indiano, por permitir que eles vivam em paz lá, mas reclamou de não ter um passaporte, e comentou que eles não tem uma identidade tibetana e sim carteiras indianas de refugiados. Comentou que o governo indiano é bacana até certo ponto porque no fundo ajudam a existir uma segregação pois, apesar de os tibetanos poderem viver livremente e terem comunidades em muitas cidades no norte da Índia e em outras partes do país, há algumas limitações. Perguntamos "por que Dharamshala?" e ele disse "Foi o que o Governo indiano de Nehru nos permitiu, eles deram esse local".
Ele comentou que seria mais feliz se estivesse no pais dele e com a família dele, mas nos lembrou de uma coisa muito importante, disse que se temos paz interior, podemos encontrar felicidade em todos os lugares.
O horário da manifestação se aproximava, ele disse que queria ir e nós dividimos o que restou dos pães e levamos.
Resultado de uma aula de pães na Sangye's Kitchen
Saindo da cozinha do Sangye e subindo a rua a concentração de pessoas já era inimaginável. Não tínhamos ideia de quantas pessoas viviam na região. Havia transito de carros, buzinas, e uma centena de pessoas com velas nas mãos cantando um mantra para algum Rinpoche e seguindo para o local, na Temple Road, onde já havia uma grande concentração de pessoas. Eu não sei o que era aquele local. Poderia ser uma escola ou uma fundação e havia uma placa, numa das portas no pátio com os dizeres Gyalyum Chemo Hall.
Gyalyum Chemo é o nome da mãe do Dalai Lama. Sentamos no chão e acompanhamos as cerimonias. Alguns discursavam, outros rezavam. Yeshi estava em estado grave num hospital em Delhi. Toda essa história eu conto na postagem sobre Dharamshala 2012.
Sangye’s Kitchen Traditional Tibetan Cooking Classes
Local: perto do Post Office, Jogiwara Road.
Fone: 94180 66184 (não conseguimos falar com ele por telefone)
Email: sangyelw@yahoo.com
Horas: depende do curso que vai fazer e tem que marcar no local
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